O debate sobre a criminalização da homofobia deve ser um dos temas marcantes a ser debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) no segundo semestre, por conta da proximidade do julgamento de um recurso interposto ao tribunal pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGBLT) sobre o assunto. Na última semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou à corte parecer favorável à entidade, no qual defende que crimes motivados por homofobia passem a ser igualados e julgados dentro do que estabelece o capítulo 20 da Lei 7.715/89, contra atos de racismo. E sugeriu que o Judiciário tome para si tal discussão.
O artigo mencionado por Janot na Lei 7.716 é o que classifica como crime todo ato que praticar ou induzir a discriminação ou o preconceito e impõe pena de até três anos de reclusão, mais multa aos que o cometerem. O artigo também estabelece, caso o crime seja cometido por veículos de comunicação, o aumento da pena para cinco anos, mais multa.
A questão remete não apenas à velha briga sobre a sobreposição de competências entre poderes, mas também chama a atenção para o descaso com que os parlamentares têm tratado o assunto, apresentado por meio do Projeto de Lei (PL) 122 em 2006, pela deputada Iara Bernardi (PT-RJ).
O texto provocou vários embates nas comissões técnicas da Câmara e do Senado nos últimos anos e está parado desde fevereiro na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Em dezembro passado, foi apensado ao projeto de reformulação do Código Penal – diante de protestos de muitos parlamentares defensores dos direitos das minorias que acham que, atrelada ao código, a matéria terá debate enfraquecido.
Na prática, a AGBLT tomou a iniciativa de recorrer ao STF, por meio de um mandado de injunção – uma ação constitucional que tem a finalidade de levar o Poder Judiciário a dar ciência ao Poder Legislativo sobre a ausência de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e garantias constitucionais inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. A entidade pediu o estabelecimento de prazo máximo de um ano para a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados e no Senado.
A opinião do procurador-geral pode ser considerada ou não pelo colegiado no julgamento de tal processo, que tem como relator o decano Celso de Mello, mas já está sendo comemorada pela AGLBT. Janot acha que esse prazo deve, sim, ser estabelecido pelo tribunal.
De acordo com o procurador-geral a criminalização da homofobia está sendo tratada pelo Congresso por meio de matérias cuja tramitação têm tido “excessiva duração”, motivo pelo qual ele propõe, no seu parecer, que o crime de homofobia seja igualado ao de racismo. Rodrigo Janot salientou que, diante dessa falta de definição por parte do Congresso, é importante e necessário “que seja firmada jurisprudência para garantir uma interpretação sintonizada com a realidade social”.
Menos pressão
“Vimos o parecer como uma vitória nessa guerra. Não chegamos ao resultado final mas para nós já foi uma grande decisão”, avaliou o presidente da AGBLT, Carlos Magno da Silva.
O ativista ressaltou que a associação considera o Judiciário mais isento de pressões religiosas do que o Congresso, por isso acredita que só no STF há possibilidade de alguma decisão sobre a questão ser elaborada.
Ele lembrou da autorização para união estável entre homossexuais, aprovada pelo tribunal em 2012 e que, até hoje, ainda não foi transformada em legislação pelo Congresso. “O Judiciário tem andado à frente da discussão sobre esses temas nos últimos anos, não há como negar”, colocou.
“A discriminação e o preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais macula o princípio da igualdade – justamente por atingir especialmente determinadas pessoas e grupos – e acarreta situação especial de grave vulnerabilidade física, psíquica e social, em violação ao direito à segurança, importantes prerrogativas da cidadania”, colocou o procurador, no seu parecer.
Debate enfraquecido
O documento também destaca que “razões de equivalência constitucional, ancoradas no princípio de igualdade, impõem a criminalização da discriminação e do preconceito contra cidadãos e cidadãs lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, pois a repressão penal da discriminação e do preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional já é prevista pela legislação criminal brasileira e não há justificativa para tratamento jurídico diverso, sob pena de intolerável hierarquização de opressões”.
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que há anos trabalha pela aprovação da matéria, é preciso haver boa vontade entre os parlamentares para a construção de acordos que permitam a sua aprovação. Paim foi contra a inclusão do projeto no Código de Processo Penal, por considerar que isso tiraria o foco principal da discussão. “A opção sexual não pode ser motivo para discriminação, assim como deve ser garantido o direito de opinar sobre o tema”, frisou.
Já a senadora Marta Suplicy (PT-SP) chegou a solicitar em plenário, no ano passado, que os eleitores se posicionem diante dos deputados e senadores que ajudaram a eleger quanto ao projeto. Marta defende a votação imediata da matéria e acha que a sociedade está sensível à questão no momento, mas a demora se dá porque os parlamentares ainda temem desagradar eleitores caso votem favoravelmente ao projeto.
‘Progresso civilizatório’
O ex-ministro Carlos Ayres Britto, magistrado que relatou a ação na qual o STF autorizou a união estável entre pessoas do mesmo sexo, afirmou que o país não pode mais se omitir quanto à questão. “Em todo o mundo há uma tendência de repúdio à homofobia. E o Brasil não pode ficar de fora desse progresso civilizatório”, disse ele.
O Projeto de Lei (PL) nº 122 tem origem no PL nº 5003, de 2001, apresentado por Iara Bernardi e percorreu um longo caminho, apesar de não ter chegado ao final. O texto inicial, o PL 5003, estipulava punições para quem cometesse discriminação em função de orientação sexual. Depois, teve apensados ao seu teor projetos semelhantes, até que em 2006 a deputada resolveu apresentar um outro, com a compilação de todos os textos.
Desde então, o PL tem sofrido forte pressão, principalmente por parte das bancadas evangélica e católica. Chegou ao ponto de ser acusado de, se transformado em lei, vir a instituir uma “ditadura gay no país”, conforme salientou o deputado evangélico e líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Atualmente, o texto tramita na CCJ do Senado, para encaminhamento do relator designado pela comissão, o senador Vital do Rego (PMDB-PB). Há cinco meses, a matéria se encontra da forma como chegou na comissão.
Fonte: Jornal.Jurid
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