O Tribunal Superior do Trabalho (TST) parece ter dado fim a uma discussão que há alguns anos divide a Justiça: o uso da arbitragem na área trabalhista. Ao julgar um recurso da X. C. e I., a Seção I Especializada em Dissídios Individuais concluiu que a arbitragem não se compatibiliza com os direitos do trabalhador e, portanto, não poderia ser usada para discutir litígios entre empresa e empregado. A decisão atinge especialmente as multinacionais, que por uma questão cultural adotam a arbitragem para a discussão de possíveis conflitos com seus executivos.
Instituída pela Lei nº 9.307, de 1996, a arbitragem é um meio de solução de conflitos cada vez mais usado em discussões trabalhistas entre companhias e executivos por ser mais rápida que o Judiciário e sigilosa. Um levantamento realizado pelo escritório Trench Rossi e Watanabe mostra que esses conflitos vêm se multiplicando ao longo dos anos. Se de 1999 a 2003 a banca recebeu 13 casos, entre 2004 e 2008 foram 45. Todos tratam de ações contra multinacionais. Em 84% dos processos as ações foram propostas por diretores e em 77% dos casos o motivo foi a incorporação de bônus ao salário.
A Lei da Arbitragem estabelece que o método só pode ser aplicado para direitos patrimoniais disponíveis. O TST entendeu que, no caso do trabalhador, os direitos discutidos não seriam disponíveis. "Em razão do princípio protetivo do direito individual do trabalho, bem como em razão da ausência de equilíbrio entre as partes, são os direitos trabalhistas indisponíveis", diz o relator do caso, ministro João Batista Brito Pereira. Ao considerar o princípio da hipossuficiência do trabalhador, o tribunal julgou que somente em caso de dissídio coletivo, entre empresa e trabalhadores representados por sindicato, a arbitragem é cabível. Antes, só havia decisões de turmas do TST sobre o tema, tanto favoráveis como contrárias.
A X. informou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de reverter a decisão. Segundo o advogado Marcus de Oliveira Kaufmann, que representa a X. no processo, no recurso extraordinário será alegado - a partir do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição - que a arbitragem na esfera trabalhista não implica na conclusão de que Poder Judiciário estaria excluído do debate. "A empresa usa a arbitragem em relação às questões trabalhistas por seguir a política da sede da empresa no exterior", afirma.
Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Luciano Athayde Chaves, há paridade de forças para a negociação arbitral quando se trata de litígio entre empresa e executivos de alto escalão. "Altos executivos carregam consigo informações estratégicas do negócio, de forma que, nesses casos, a cláusula de confidencialidade que costuma reger seus contratos só é assegurada se o conflito for resolvido via arbitragem", diz. "Por isso, nesses casos, é possível admitir a arbitragem."
A tese do desequilíbrio entre as partes é contestada por especialistas quando a relação trabalhista envolve um alto executivo de multinacional. O advogado Joaquim de Paiva Muniz, do Trench Rossi e Watanabe Advogados, explica que quando se trata de contrato com executivo estrangeiro é muito comum haver a cláusula arbitral. "Nos Estados Unidos, boa parte dos questionamentos contra as empresas que quebraram envolve os salários desses executivos", afirma. "São casos de até R$ 2 milhões em jogo. O custo de um diretor aumenta em até 50% quando benesses como um automóvel são incluídas no seu salário." A banca cuida de vários casos em andamento em câmaras arbitrais, inclusive finalizados.
A ação protetiva da Justiça trabalhista é oportuna para coibir os abusos praticados pelas chamadas câmaras de arbitragem de fachada, avalia a especialista na área e professora de arbitragem na Direito GV, Selma Lemes. Nesses casos, o trabalhador é encaminhado a essas câmaras, sem o devido esclarecimento do que seria a arbitragem e a eles é passada a impressão de que estaria participando de um julgamento judicial. "Mas a impossibilidade de aplicar a arbitragem em dissídios individuais não pode ser uma regra ou vão anular a arbitragem trabalhista", diz. "Há casos de pessoas em igualdade de condições com as empresas, como os altos executivos."
A má prática dessas câmaras tem levado o Ministério Público do Trabalho (MP) a tomar providências tidas como genéricas. O procurador regional do trabalho Ricardo Britto explica que o "receio" do MP de que a arbitragem seja feita indevidamente é o que motiva o órgão a combater a prática na área trabalhista no caso de dissídios individuais. O órgão pretende usar a decisão do TST a seu favor nas ações civis públicas contra câmaras de arbitragem.
Laura Ignacio de São Paulo
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