Entrou em vigor no dia 06 de novembro de 2008, uma nova lei de alimentos, a Lei 11.804/08, que busca disciplinar o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido, objetivando preencher uma triste lacuna ora existente no Direito de Família contemporâneo. Os alimentos gravídicos pode ser compreendido como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez, sintetizando, tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Assim, entende-se que o rol não é exaustivo, pois pode o juiz pode considerar outras despesas pertinentes.
A Lei de Alimentos (Lei 5.478/68) consistia um óbice à concessão de alimentos ao nascituro, haja vista a exigência, nela contida, no seu artigo 2º, da comprovação do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar. Ainda que inegável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro.
A dificuldade gerada pela comprovação do vínculo de parentesco de outrora já não encontrava-se engessada pela Justiça que teve a oportunidade de reconhecer, em casos ímpares, a obrigação alimentar antes do nascimento, garantindo assim os direitos do nascituro e da gestante, consagrando a teoria concepcionista do Código Civil e o princípio da dignidade da pessoa humana. Sem dúvidas, houve, mais uma vez, o reconhecimento expresso do alcance dos direitos da personalidade ao nascituro.
Nesses moldes já afirmava Silvio de Salvo Venosa sobre a legitimidade para a propositura da ação investigatória:
"São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro também pode demandar a paternidade, como autoriza o art. 1.609, parágrafo único (art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente, repetindo disposição semelhante do parágrafo único do art. 357 do Código Civil de 1.916)."
Ainda especificamente a respeito dos alimentos ao nascituro, vale trazer à baila valioso ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira:
"Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e estar seria comprometida se à mão necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.
Neste sentido Pontes de Miranda comenta que 'a obrigação alimentar pode começar antes de nascer, pois existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior se acaso se recusasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidamente fundadas em exigências da pediatria'.
Silmara J. A. Chinelato e Almeida reconhece que são devidos ao nascituro os alimentos em sentido lato - alimentos civis - pra que possa nutrir-se e desenvolver-se com normalidade, objetivando o nascimento com vida.
(...)
Têm os nossos Tribunais reconhecido a legitimidade processual do nascituro, representado pela mãe, tendo decisão pioneira da Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, datada de 14.09.1993 (Ap. Cível n. 193648-1), atribuído legitimidade 'ad causam' ao nascituro, representado pela mãe gestante, para propor ação de investigação de paternidade com pedido de alimentos. Concluiu o relator - Des. Renan Lotufo - reportando-se à decisão pioneira no mesmo sentido do Tribunal do Rio Grande do Sul (RJTJRS 104/418) que 'ao nascituro assiste, no plano do Direito Processual, capacidade para ser parte como autor ou réu. Representado o nascituro, pode a mãe propor ação de investigatória e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então uma expectativa resguardada'.Na hipótese de reconhecimento anterior ao nascimento autorizada pelo parágrafo único do art. 1.609 do Código Civil, não se pode excluir a legitimidade do nascituro para a ação de alimentos."
Já enfatizava o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca dos alimentos em favor de nascituro, ao decidir que:
"Havendo indícios da paternidade, não negando o agravante contatos sexuais à época da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas necessidades e também as do infante que acaba de nascer. Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos."
Diante de tais ensinamentos, dúvidas não restavam de que a tendência apontada pela doutrina e jurisprudência[4] era é o reconhecimento à mãe gestante da legitimidade para a propositura de ações em benefício do nascituro. Fato jurídico que foi socorrido e se fez consagrado pela nova legislação alimentícia através da Lei 11.804/08.
Abrilhanta a Lei de Alimentos Gravídicos a desejada proteção da pessoa humana e dos direitos fundamentais consagrados na Carta Magna, correspondendo-os ao sistema do direito privado, gerando a via tão desejada do direito civil-constitucional, considerando assim um grande avanço da legislação pátria.
A nova legislação entra em contato com a realidade social facilitando a apreciação dos requisitos para a concessão dos alimentos ao nascituro, devendo a requerente convencer o juiz da existência de indícios da paternidade, desta forma, este fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Note-se que os critérios para a fixação do valor dos alimentos gravídicos são os mesmos hoje previstos para a concessão dos alimentos estabelecidos no art. 1694 do Código Civil: a necessidade da gestante, a possibilidade do réu - suposto pai -, e a proporcionalidade como eixo de equilíbrio entre tais critérios.
Outro aspecto interessante da nova lei é o período de condenação ao pagamento dos alimentos gravídicos que se restringe a duração da gravidez, e com o nascimento, com vida, do nascituro, eles se convertem em pensão alimentícia. Leva-nos, em ordem contrária, como nos indica a boa justiça, a afirmar que caso haja a interrupção da gestação, tal é o fato de um aborto espontâneo, por exemplo, extingue-se de pleno direito os alimentos de forma automática. Isso porque não abrangem os alimentos gravídicos o disposto na recente Súmula 358 do STJ, que dispõe sobre "o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos".
Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão, de acordo com o parágrafo único do art. 6º, da Lei 11.804/08. Nessas linhas, nada impede, contudo, que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do seu nascimento.
Quanto ao foro competente certo é o do domicílio do alimentado, neste caso a gestante. O Projeto de Lei que originou a Lei de Alimentos Gravídicos previa a competência do domicílio do réu, mostrava-se em desacordo com a sistemática adotada, que de boa ordem foi vetado.
Outro ponto de suma importância e que causou controvérsias, encontrava-se no vetado artigo 9º, que determinava a incidência dos alimentos desde a citação. É direta a possibilidade de se afirmar que se assim fosse determinado, ou seja, que os alimentos gravídicos somente fossem devidos apenas depois da citação do réu, provocaria manobras no sentido de se evitar a concretização do ato, objetivando escapar do oficial de justiça. Talvez fosse possível encontrar o suposto pai somente após o nascimento do filho, perdendo assim a finalidade da lei. Colidia o artigo 9º também com a redação da Lei de Alimentos que determina ao juiz despachar a inicial fixando, desde logo, os alimentos provisórios. Dessa forma, a Lei 11.804/08 adotou a posição consagrada na doutrina e na jurisprudência, e também expressa legalmente, ou seja, o juiz deve fixar os alimentos ao despachar a petição inicial.
Vislumbra-se através da Lei de Alimentos Gravídicos a busca incessante pela dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde a sua concepção. Alcança a nova legislação alimentícia as características atinentes a repersonalização do Direito Civil, a conseqüente despatrimonialização do Direito de Família e a responsabilização efetiva da parentalidade.
Como afirma Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em artigo que analisou o Projeto de Lei que deu origem a atual Lei de Alimentos Gravídicos: "apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimentos gravídicos vêm referendar a moderna concepção das relações parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna".
Ademais a Constituição Brasileira de 1988 prioriza a necessidade da realização da personalidade dos membros familiares, ou seja, a família-função, através do princípio da solidariedade familiar, com amparo no art. 3º, inciso I da CF. Assim como é dever do Estado assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, o que pôde ser alcançado, salvo as intempéries legislativas, com a sanção da Lei 11.804/08, elencando a pessoa humana como centro da proteção jurídica, ao invés do individualismo e do patrimonialismo do século passado.
Em conclusão, invoca-se palavras de Jurandir Freire Costa, ao considera que "para que possamos restituir à família a legitima dignidade que, historicamente, lhe foi outorgada, é preciso colocar em perspectiva seus impasses, procurando reforçar o que ela tem de melhor e vencer a inércia do que ela tem de pior"[6]. Espera-se que Lei de Alimentos Gravídicos vença os impasses outrora vividos diante da lacuna que existia em nosso ordenamento jurídico, e reforce as garantias e o melhor interesse do menor e da gestante.
ESCRITO POR: LEANDRO SOARES LOMEU
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