quarta-feira, 17 de junho de 2009

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO

Apesar de nos parecer recente, a origem da greve não o é. A história faz referência à greve de “pernas cruzadas” de trabalhadores que se recusaram a trabalhar porque não receberam o que lhes fora prometido, no Egito, reinado de Ramsés III, no século XII a.C, segundo Amauri Mascaro (MASCARO, 2007.)
Já a origem da palavra greve é mais recente, (greve é originário de gravetos) se dá devido a uma praça de Paris na qual acumulavam-se gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena. Lá os operários descontentes com as condições de trabalho, se reuniam quando paralisavam os serviços. Dirigiam-se a esse local também os empregadores quando necessitavam de mão-de-obra.
Martins (MARTINS, 2006, p. 830) esclarece que “na história mundial a greve foi cronologicamente considerada um delito, principalmente no sistema corporativo, depois passou a liberdade, no Estado liberal, e, posteriormente, a direito, nos regimes democráticos. (...) No Brasil, inicialmente, tivemos o conceito de greve como liberdade, depois delito e, posteriormente, direito”.
Imprescindível se faz mencionar o conceito de greve, o qual podemos auferir do art. 2º da Lei 7783/89 como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Amauri Mascaro (MASCARO, 2007, p. 1170) entende que “a greve é um direito individual de exercício coletivo, manifestamente como autodefesa”.
Para Gerhard Boldt (BOLDT, apud MASCARO, 2007, p. 1171) “greve é uma interrupção coletiva e combinada do trabalho por certo número de trabalhadores da mesma profissão ou empresa, tendo um objetivo de luta, a fim de que os seus fins venham a ser atendidos”.
Vale ilustrar o entendimento de Tarso Genro (GENRO, 2007) em relação à greve.
O direito de greve decorre do direito ao trabalho. Não é sua polaridade, mas está contido no próprio direito ao trabalho como sua “negação”. O direito ao trabalho contém o direito de negar-se a trabalhar em condições que não respondem as necessidades sociais mínimas, que são historicamente relativizadas em cada formação social determinada.
.O direito de greve dos trabalhadores regidos pela CLT está reconhecido pela Constituição Federal em seu artigo 9º: “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”; e estabelece no seu parágrafo único que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.
Em conseqüência, temos a Lei 7.783 de 28 de junho de 1989, que regula o exercício do direito de greve na esfera da iniciativa privada, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Por outra banda, o direito de greve do servidor público, com vínculo estatutário, também foi reconhecido pela Carta Magna, em seu artigo 37, inciso VII, in verbis: “VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.”
É bastante controvertida a doutrina pátria quanto à eficácia da norma contida no artigo supracitado.
Celso Antônio Bandeira de Mello (apud Aline Daniela Florêncio Laranjeira, 2003) entende tratar-se de norma de eficácia contida, ao argumento que
a greve do servidor público era proibida e agora é prevista na própria Constituição, sendo, portanto, permitida. Se se condicionar o direito de greve do servidor público à edição de lei específica, o trabalhador será privado do referido direito.
Igualmente, Antônio Álvares da Silva (apud Aline Daniela Florêncio Laranjeira, 2003) leciona que foi reconhecido “ao servidor público civil o direito de greve e não existindo a lei específica referida no texto constitucional para definir-lhe os termos e limites, o direito será exercido de forma ilimitada”, encontrando contenção apenas nas garantias constitucionais, nas leis de ordem pública, no ilícito civil e penal e nas disposições administrativas da Lei n. 8112/90.
Diógenes Gasparini (2006. p. 195) comunga do entendimento supra, juntamente com o de José Afonso da Silva, no sentido de ser “a norma em apreço é de eficácia contida (a que tem aplicabilidade imediata, integral, plena, não obstante possa ter seu alcance reduzido pela legislação infraconstitucional ). Essa lei ainda não foi editada. Não obstante isso, o direito de greve do servidor público é exercitável, ressalvadas apenas as necessidades inadiáveis da comunidade, identificadas segundo critérios de razoabilidade” .
O ilustre professor nos apresenta ainda decisão do Superior Tribunal de Justiça ao julgar Recurso de Mandado de Segurança n° 2.677.
Com efeito, nesse acórdão restou assentado que o servidor público, independente da lei complementar, tem o direito público, subjetivo, constitucionalizado de declarar a greve. Na ausência de lei específica, tomar-se-ão para suprir a lacuna os princípios jurídicos e a legislação que disciplinar a matéria (RDA, 193:154, apud GASPARINI, 2006. P. 195).
Não obstante, o entendimento doutrinário majoritário é no sentido de que a norma inscrita no artigo em pauta é de eficácia limitada, sendo assim, o direito de greve do servidor público só poderá ser exercido após a edição de lei específica.
Nesse sentido também se manifestou o Supremo Tribunal Federal em sede de julgamento do MI 20 – DF de 01.05.1994, senão vejamos:
O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade , razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. (...). (MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado pelo Tribunal Pleno em 19/05/1994).
Conveniente se faz lembrar que o Mandado de Injunção será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Contudo, ao Tribunal cabe apenas dar ciência da omissão legislativa ao Poder Legislativo para que seja suprida, constituindo o Estado em mora para fins de indenização, pois o Mandado de Injunção não autoriza ao Poder Judiciário editar norma, para suprir a omissão legislativa e fazer valer o direito fundamental, até que o Poder Legislativo assim o fizer.
Importa salientar as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence em sede de Mandado de Injunção:
O mandado de injunção nem autoriza o judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de atendimento impossível, para que o tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de inconstitucionalida de da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra. (MI 168/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado pelo Tribunal Pleno em 21/03/1990).
Mas qual será a valia da mera declaração da mora legislativa para o sujeito que se encontra ceifado de direitos que sabiamente foram garantidos pela Carta Magna?
A nova tendência da Corte Suprema se baseia em outorgar objetividade ao instituto, solucionando o caso concreto, satisfazendo o direito reclamado.
Nesse diapasão, vejamos entendimento do Ministro Gilmar Mendes, no mandado de injunção 670-9:
Não resta dúvida, a meu ver, de que é chegada a hora desta Corte avançar no sentido de conferir maior efetividade ao mandado de injunção, dando concreção a um dos mais importantes instrumentos de defesa dos direitos fundamentais concebidos pelo constituinte originário. (MI 670-9/ES, Rel. Min. Maurício Corrêa, sessão 07/06/2006).
Di Pietro (DI PIETRO, 2007. p. 507) tenta justificar a mora do legislativa:
Na realidade, não devem ser poucas as dificuldades que o legislador federal enfrentará para regulamentar a greve do servidor público; não é especialmente por se tratar de servidor público, cuja continuidade fica rompida com a paralisação; se fosse essa a dificuldade, poderia ser contornada da mesma forma por que o foi nos artigos 10 a 13 da Lei n° 7.783/89, que cuida dos serviços considerados essenciais e estabelece normas que asseguram a sua continuidade em períodos de greve.
A dificuldade está no fato de que, tanto o direito de sindicalização como o direito de greve, cuja importância para os trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretensões salariais, não poderão ter esse alcance com relação aos servidores públicos, ressalva feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exercício do direito de greve poderá, quando muito, atuar como pressão sobre o Poder Público, mas não poderá levar os servidores a negociações coletivas, com ou sem participação dos sindicatos, com o fito de obter aumento de remuneração.
Isso porque a Administração Pública é vinculada ao Princípio da Legalidade, isto significa que qualquer concessão remuneratória aos servidores públicos deve ser precedida de lei, o que impede que sejam livremente alterados por negociação entre as partes. Toda lei deve ser votada e, assim, independe da vontade única da Administração ou dos servidores.
Outro obstáculo é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede o aumento se não houver registro na previsão orçamentária.
No entanto, a greve é direito de todo trabalhador, seja ele da iniciativa privada ou da Administração Pública, reconhecido e garantido pela Carta Maior, o qual não se pode olvidar, sob pena de debilitar e menoscabar ainda mais a nossa Constituição.
E, apenas para arrematar o presente estudo, traz-se a lume o entendimento de Tarso Genro a respeito do tema greve no serviço público, que acertadamente pondera:
Só uma democracia verdadeira conseqüente e verdadeiramente radical assumiria a historicidade concreta da greve como Direito Público, ou seja, outorgado a qualquer grupo de trabalhadores; subjetivo, ou seja, que pertença à esfera da livre disposição do sujeito; coletivo, ou seja, que tem na categoria profissional sua expressão particularizada – só uma democracia verdadeiramente conseqüente assumiria os “riscos” desta adequação da história às necessidades da maioria, concluindo, por fim, que não há, não haverá e nunca poderá haver norma jurídica que submeta a greve ao seu comando, quando ela se apresenta como instrumentos que permite fazer a História avançar, no mínimo para tirar do plano da ficção uma cidadania que só existe na imaginação dos juristas e nas leis sem eficácia. Por isso, só será coerente e real o Direito de Greve em nosso país quando ele for oriundo da norma constitucional auto-aplicável, que não admita a menor limitação pela legislação ordinária que, de resto, sempre foi impotente para bani-la, mas sempre serviu para “inocentar” as mais sanguinárias repressões. (grifo nosso)
No dia 25 de outubro de 2007 o Supremo Tribunal Federal julgou os Mandados de Injunção 670, 708 e 712. Ações ajuizadas, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do estado do Pará (Sinjep).
O Supremo regulamentou o direito de greve dos servidores públicos, determinando que a Lei de Greve que regulamenta as paralisações na iniciativa privada passe a valer também para os servidores públicos, enquanto o Congresso Nacional não legislar sobre o assunto. Da decisão divergiram parcialmente os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que a norma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que o direito de greve é um princípio fundamental, inerente a todo e qualquer serviço e que, ao decidir pela aplicação da legislação da iniciativa privada ao servidor público, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que suprir a omissão legislativa existente. “O Congresso já havia decidido a forma em que se exerceria o direito de greve na iniciativa privada. Tão somente se estendeu esse direito. O Supremo não inovou, não criou, apenas regulamentou no Brasil”. (...) “Essa é uma decisão importante, independentemente do mérito da decisão, se é boa ou não para o servidor público, se garante ou não a essencialidade do serviço, ela é importante porque preenche um vazio legislativo”.
A decisão pretoriana permitirá que o órgão público atingido por greve peça a um tribunal a decretação de sua ilegalidade, a proibição de piquetes, a desocupação de locais e a autorização para não pagar os dias parados. O pedido será feito ao Tribunal de Justiça, se for servidor estadual e municipal, e Tribunal Regional Federal ou Superior Tribunal de Justiça, caso envolva servidor federal, disse o ministro Gilmar Mendes.
O serviço público não poderá ser interrompido: os grevistas terão de manter pelo menos 30% das atividades. A lei do setor privado lista os serviços essenciais que não podem ser interrompidos. Entre eles estão a saúde, as telecomunicaçõ es e o controle de tráfego aéreo.
Insta salientar a lição dada pelo Min. Celso de Mello, em seu voto no MI 708, vejamos:
Não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis - a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Outrossim, imperioso ressaltar também as sábias palavras do Min. Eros Grau, em seu voto no MI 712:
A greve é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores como meio para a obtenção de melhoria em suas condições de vida. Consubstancia um poder de fato; por isso mesmo que, tal como positivado o princípio no texto constitucional [art. 9o], recebe concreção, imediata — sua auto-aplicabilidade é inquestionável — como direito fundamental de natureza instrumental” .
“(...) a Constituição, tratando dos trabalhadores em geral, não prevê regulamentação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve...
O direito de greve é um instrumento muito poderoso na mão da maioria: os trabalhadores; por esse motivo tentam de todas as formas limitá-lo, e por esse motivo também é que se proibiu a greve política, para que o povo, a massa, não possa se unir e reivindicar seus direitos e lutar por melhores condições de vida.
A greve, ao se consubstanciar em direito ou fato social, é forma de autotutela justa e jurídica a todos os segmentos, e nenhum óbice a ela deveria se opor, pois na nossa sociedade o que comumente se pleiteia são interesses e direitos implícitos no direito à vida e, mais, nos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV da Constituição).

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