A família é a base da sociedade. É o que diz a Constituição Federal, que também consagra a paternidade responsável e admite o planejamento familiar. Atribuído ao homem e à mulher o exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal e assegurada ao casal a liberdade de decidir sobre a eventualidade da prole, acaba por ser reiterado o princípio da igualdade.
As questões relativas à filiação, no entanto, são tidas como algo que só diz respeito à mulher. Alavancada pelo movimento feminista, a procriação é vista como um direito feminino, e a livre decisão sobre a mantença ou não da gestação é a bandeira que leva às últimas conseqüências a emancipação feminina. Mas, se é conferida ao casal a decisão do planejamento familiar, qual o papel do pai? Em que medida poderá o homem influir, tanto sobre o uso dos métodos contraceptivos, como sobre a possibilidade de a mulher interromper a gravidez?
Mesmo que não se negue que a mulher suporta a gravidez e todos os seus transtornos, será que a função parental só surge com o nascimento? Antes disso, nenhuma influência, nenhum significado, ou ainda nenhum direito é reconhecido ou assegurado ao pai?
Talvez caiba lembrar, para alimentar o debate, que, decidindo a mulher levar adiante a gravidez, nenhuma relevância tem a vontade do genitor. Se ele não aceitar a gestação, qualquer tentativa sua de persuadir a mulher a interrompê-la é tida como gesto hediondo e desumano. Mesmo que não se trate de um filho desejado pelo pai, a paternidade lhe é impingida, ainda mais no atual estágio da engenharia genética, em que a identificação do vínculo biológico é certa. Assim, além de ser imposta a paternidade, também lhe é imposta a obrigação de mantença do filho, inclusive sob pena de prisão.
Basta figurar a hipótese de que, após um longo e doloroso tratamento, consiga um homem engravidar uma mulher. Se ela, por mero capricho, por birra talvez, quiser interromper a gestação, cabe questionar: será que o genitor, sabendo que não mais poderá ter filhos, não tem legitimidade para tentar impedir o abortamento? Poderá buscar, na via judicial, impedir que tal prática se consume? Mais ainda: poderá assumir de forma válida a paternidade, comprometendo-se a assumir a guarda do filho?
Não se pode, nessa hipótese, invocar o direito do nascituro antes do nascimento, pois este é um direito que a lei assegura ao feto, e não a quem o concebeu.
É certo que não se pode considerar a mulher como mero instrumento reprodutor, mas, vivendo na era dos direitos humanos, em que vicejam e se desdobram como verdadeiros ícones a igualdade e a lberdade, não há como deixar de se atentar em que existem não só deveres e obrigações do pai, há também o direito do pai, o direito de ser pai.
(*) Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família
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